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Dia da Mulher

Guardam-se as flores e os doces numa caixa velha.
Os talões de descontos são rasgados.
Envergonham-se os que se lembram dos direitos das mulheres apenas neste dia.
Salva-se a mulher que, com a educação básica, teima em votar.
O homem que educa as filhas para gritarem por justiça.
A menina que estuda para saber e conhecer.
O rapaz que é incapaz de violentar a rapariga.


Rolam as fotografias e os sorrisos abertos.
Os encontros não faltam no dia.
Envergonham-se os que julgam que a mulher só deve ser recordada num só dia.
Salva-se a mulher que não inveja a empreendedora.
A avó que denuncia o agressor da vizinha.
O patrão que paga justamente à colaboradora.
A colega de trabalho que revela o assédio.


Arruma-se a vassoura num canto e dobram-se os aventais.
Abrem-se as janelas e grita-se bem alto.
Envergonham-se os que julgam que é possível voltar a colocar as mulheres no local de onde vieram.
Salva-se a mulher que teima em educar a filha.
O tio que discute política com toda a família durante o jantar.
A colega de turma que não critica a minissaia.
A sogra que não pergunta pelo próximo neto.


Cerram-se os punhos e grita-se mais alto do que nunca.
Não voltarão a estar agrilhoadas as mulheres.
Caladas e submissas. Ignorantes e passivas.
Juntam-se os verdadeiros maridos, pais e irmãos ao clamor urgente.
Deviam - verdadeiramente - envergonhar-se aqueles que olham para as mulheres e não percebem.

 

Não voltaremos a ser o que já fomos.

 

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O estado das coisas

Dança o mundo de forma estranha.

O certo torna-se vacilante.

As convicções são vendidas.

Selam-se acordos inesperados.

Quebram-se tratados indissolúveis.

Transforma-se a empatia em hedionda descortesia. 

Nasce o ódio do amor.

Brota o desrespeito da retidão. 

Homens justos são repudiados.

Traçam-se novos mapas à força.

Treme a terra ao som do desnorte.

Grita-se a tirania e enterra-se a razão.

Pinta-se de negro o antigo verde.

O céu azul já não deslumbra.

Deitam-se os santos nas nuvens a chorar.

Enquanto a música de Carnaval continua a tocar.

E a fé, encerrada num corpo desgastado, resiste à morte.

 

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Foto: Mehran Biabani

A culpa é minha?

Que culpa tenho eu de me apaixonar por aí?

Pelas letras gravadas em paredes.

Pela flor bizarra de cor alegre.

Pelo gesto insubmisso que grita. 

 

Deixo fugir um sorriso em cada canto.

Quando vejo uma criança deslumbrada. 

Uma forma inesperada na calçada.

Ou um beijo que cala as dúvidas.

 

Que explicação posso eu dar se me perco em cada rua?

Presa nos olhares de quem passa.

Fascinada pelas rugas de quem espera. 

Curiosa pelas histórias que as vozes contam. 

 

Como posso eu explicar que sou incapaz de não viver?

De não gravar a beleza do que encontro e surpreende. 

De não revelar o mundo que inspira os meus sentidos.

De não respirar o gracioso, o complexo, o simples ou o fugaz. 

 

Culpada sou.

Por sentir. Por escrever. 

 

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Foto:  Mariano Nocetti

Adeus

Há uma certa beleza nos olhos de quem se despede.

De quem se afasta para sempre.

De quem procura arrumar o coração.

Enquanto, de lágrimas no rosto, diz adeus.

 

Já tentei transformar essas lágrimas em palavras.

E os gritos do pranto em poemas. 

Mas espantei-me com a eternidade guardada num só olhar.

E com o silêncio de Deus perante tamanha grandiosidade. 

 

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Foto: Gabriel Matula

SOS Amor

De tanto procurares, não encontras o amor.

No olhar que brilha.

Na mão que segura.

Na palavra que suporta.

No perfume da pele.

Na mensagem trocada.

No sorriso que nasce com o dia. 

 

De tanto desejares, acreditas que o amor é maior.

Superior ao calor do aconchego que te enlaça.

Mais intenso que a música que é história.

Mais importante que os projetos que já falharam.

Superior a todos os sonhos que ainda vão nascer.

Mais estridente do que o silêncio partilhado.

Mais marcante do que as noites soberbas que se tornam tatuagem. 

 

De tanto ignorares, não percebes que o amor é simples.

Como as cores de uma flor.

Tem o tom da gargalhada de um filho.

Está no desejo e no cuidado.

Tem o ritmo de dois corpos que dançam na cozinha.

Sabe a um beijo roubado.

E cabe – inteiro - num só abraço.

 

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Foto: Anna Keibalo

Quatro Cantos

Estas ruas são estreitas.

Mas nelas cabe o carteiro.

E o funcionário que varre.

Cumprimentam quem passa.

Quem contempla as cores e as formas.

Quem observa a mistura do velho e do novo.

Saberão que estas ruas são velhas?

Tão velhas que têm gravadas mil histórias?

Eu ainda vejo a velha latoaria do Tibita e do Toneca.

Trago em mim os cheiros. E a recordação deste espaço.

A loja do Darvim está aberta.

Eu, menina, estou junto à montra a ver as noivas saírem da Igreja de São Pedro.

Fascinada com os vestidos e os rituais.

Na barbearia, junto ao café, apara-se o cabelo e o bigode.

Os vizinhos abastecem-se no talho do prédio Americano.

Lá ao fundo, a Fortaleza. E o mar – aqui tão perto.

Hoje sobra pouco. Sobra a mercearia do João da Galvoa. Resistiu ao tempo.

Nela julgo ver a minha avó, com a menina neta pela mão.

Trazem os sacos cheios. E, enquanto caminham, vão deixando parte de si nas ruas.

Elas estão gravadas nestes Quatro Cantos - agora tão transformados pelo tempo.

Nestes Quatro Cantos que são, inevitavelmente, parte da minha pele.

 

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Errante

Vagueio por aí.

Perdida dentro de mim.

Ziguezagueando entre ideias.

Misturando pensamentos.

Desordenando o coração.

 

Deambulo por aí.

Incapaz de me decidir.

Perdida entre mil formas de sentir.

Voando entre mundos.

Baralhando mil formas de ser e de fazer.

 

Flutuo por aí.

Sem saber para onde ir.

Errando no destino.

Acertando nos trilhos.

Sem nome para me dar.

 

Como é que os outros encontram o norte?

 

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Foto: Finding Dan

Confissão dos dias perdidos

Sou quem tem dúvidas.

Quem questiona. Quem indaga.

Sente medo e não avança.

 

Sou quem se engana.

Erra no caminho. Refaz a rota.

E espera acertar.

 

Sou quem falha.

Quem se arrepende. Quem pede perdão.

E reza no silêncio do dia.

 

Sou quem protesta.

Quem exige. Quem deseja.

Feita de obstinação e capricho.

 

Sou quem vive de imperfeições.

De singularidades. E de estranhezas.

Que alentam o peito.

 

Sou desenho perfeito. Rascunho apressado.

Sou cor. E negrume.

Sou inteira. Desfeita em mil.

Sou força. Quando a cobardia me assola.

E sou sonho. Quando tudo já se esfumou.

 

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Foto: Nahid Hatami

Ano novo, blog novo

Escrevo muito. Em cadernos. Em blocos de notas. E no computador. Uso canetas. Adoro lápis. Deixo notas no telemóvel. Espalho folhas com frases. Registo mil ideias em pedaços de papel. 

A escrita faz parte de mim. Profissionalmente, tenho como objetivo incutir o gosto pela escrita em públicos de todas as idades e em profissionais de várias áreas. Para além disso, comercializo produtos em que as palavras são as rainhas. Por tudo isto, a escrita faz parte dos meus dias.

No entanto, para além dos conteúdos escritos que tenho produzido e publicado no âmbito do meu trabalho, tenho sentido a falta de um espaço. Um espaço onde possa publicar os textos que não se enquadram nos mil projetos em que estou envolvida. Onde possa publicar livremente. Sem filtros. Sem véus. Onde só o coração possa ditar as palavras. Onde os textos reflitam exatamente o que eu sou e o que eu sinto. Numa mistura de temas, tons e propósitos. 

Por esse motivo, com o início de 2025, e com a necessária avaliação do que foi 2024, decidi criar este blog. Decidi encontrar uma casa para os meus textos, onde eu possa repousar a minha mente inquieta e encontrar aconchego para o meu coração. 

 

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Foto: Andrew Neel

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