Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Bonecos de vidro

Somos todos feitos de cacos.

De silêncios que se transformaram em melancolia.

De palavras que se perderam entre os lábios.

De abraços que ficaram presos nos medos.

 

Sustentamo-nos com cola e boa-vontade,

com remendos de afeto e fita-adesiva de esperança.

A cada passo, o medo de estalar outra vez.

A cada segundo, o receio de revelar a vulnerabilidade.

 

Caminhamos por aí, a fingir que somos inteiros.

Polimos os cantos para não ferir,

insistimos em puxar o brilho à tosca loiça

e em manter a cabeça, cheia de tempestades, bem erguida.

 

Expressamos alegria antes da sinceridade,

engolimos a tristeza com café e rotina,

vestimos o orgulho como armadura

e chamamos coragem ao simples ato de sobreviver.

 

Mas, quando a noite cai, permitimo-nos sentir:

cansados, humanos, despidos,

com vidros nas mãos e no peito,

a rezar para que a cola nunca nos falhe.

Essa gente

Gosto de gente desalinhada.

Que teima em desenhar as suas próprias rotas.

Que dança pela vida.

Que canta em dias de chuva.

E que se emociona com gestos simples. 

 

Gosto de gente que surpreende.

Que, por parecer nada ser, tudo é.

Pelo que guarda. Pelo que dá.

Pelo que sustenta no peito.

Pelo que faz em silêncio.

 

Gosto de gente com voz.

Com alma. Com mente irrequieta.

Gente que é gente.

Que faz da sinceridade, a coluna vertebral.

E da valentia, o compasso do coração.

 

Gosto de gente de sorriso fácil.

De lágrima honesta. De olhos que falam.

Gente que grita. Que sorri. Que chora.

Que erra. Que beija. Que abraça. Que perdoa.

Que sonha. Que faz. Que ergue.

 

Gosto de gente cujos pedestais são construídos com o respeito dos outros.

De quem vive mais perto do céu, por fazer a diferença na terra.

De quem planta esperança. De quem veste respeito.

Gente que é abrigo. Que é consolo.

Gente humana, que se atreve a ser inteira. 

No colo das Cesaredas

Fui até ao Reguengo Grande sem saber o que esperar.

Entre o chão cinzento e as curvas da estrada, ali no meio o encontrei.

Descobri que verde é a sua cor. Tradição, o seu nome.

Sabe a maçã reguengueira e à carne assada em forno de lenha.

As Cesaredas dão o colo, e nele se aninha o Vale Cornaga.

Tem a forma de mulheres e homens que sabem sorrir. 

A água marca o ritmo. As pedras desenham o espaço. As flores dançam o vira.

E o tempo é guiado pelo sol, que anseia pelas festas de maio.

 

Perdidas entre o passado e o futuro da terra, ali as encontrei.

Com sonhos nas mãos e vontade de fazer.

Com cabelos rebeldes e arte na alma.

Com raízes para além deste mar. 

Com palavras para distribuir e emoções para plantar.  

Encontraram problemas. Descobriram soluções.

Num Reguengo que é hoje maior do que era.

E que cabe nos sonhos de todas elas.

Desinspiração

Se estou triste, não sei da inspiração.

Se estou só, não sei da inspiração.

 

Conseguirei pintar a dor com palavras?

O desalento com verbos. A tristeza com frases.

 

Se assim estou, batem os fantasmas à porta.

E porque decido não abrir a porta, eles espreitam nas janelas.

 

Brincam com a tristura. Zombam das decisões.

Criticam a fé. Empurram a alegria.

 

Pego na alma e começo a escrever.

Para orientar as ideias. Para alinhar o coração.

 

Tomo desse medicamento chamado escrever.

Para espantar a desesperança. E dizer adeus aos ladrões de sonhos.

Escreve quem não tem medo

Escreve quem não tem medo.

De fazer do texto, porta aberta para o coração.

De expor fragilidades, crenças e anseios.

Escreve quem age por amor. E por coragem.

Porque não consegue conter a palavra dentro de si. 

Porque não consegue viver sem a riqueza do livre pensamento.

Escreve quem se inebria com a textura do papel e a essência do carvão.

Quem imprime o medo no papel. E quem traça os sonhos com tinta colorida.

Envergonhada

Perguntam: és sempre tu?

Aquela que sente e escreve sobre liberdade.

Sobre amor. Sobre raiva.

 

Perguntam: como és capaz?

De desbravar a folha em branco.

Pintá-la de rosa. Riscá-la de preto.

 

Perguntam: não tens vergonha?

De escrever atrevidamente sobre tudo.

De inquietares os outros.

 

Respondo: sou sempre eu - em todas as linhas.

Tão capaz e tão incapaz.

Envergonhada por só me encontrar verdadeiramente quando escrevo.

Mais sobre mim

imagem de perfil

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

 

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D

Comentários recentes